Setup à minha Vintage V100 com uns extras :)

Pois é, aproveitei o fim-de-semana grande do 10 de Junho para fazer um setup à minha V100. Na verdade foi mais que um simples setup.

Já cá tinha desde a altura do Natal uns tuners Gotoh que tinha comprado porque o meu tuner da corda G pifou, como parece ser vulgar nestes tuners da Wilkinson. Levei algum tempo até perceber qual era o problema, porque o que acontecia é que a corda E fazia um buzz terrível, mesmo com um toque suave da palheta. E o buzz passava para o amp, o que era a parte mais chata.

Após vários testes e tentativas, lá cheguei à conclusão que se fizesse pressão com um dedo na parte de trás do tuner da corda G, o buzz na corda E desaparecia! Lá resolvi comprar uns tuners novos, mas só agora tive tempo de tratar da V100 como deve ser.

Entretanto também estava com a acção um bocado alta, para diminuir ao máximo este buzz e um ou outro trastejamento nos trastes mais perto do corpo.

Deixo-vos aqui o relato deste setup, principalmente para aqueles que têm medo de mexer nas guitarras, verem que não é nenhum bicho de sete cabeças.

Comecei por retirar os tuners antigos:


Depois retirei todo o hardware para limpar e lubrificar:


Se repararem, aquela pequena peça, em cima da mesa, mais ou menos a meio do braço, é a ponta do truss rod, que tirei para lubrificar. Retira-se, desapertando completamente o truss rod (rodando a chave para a esquerda). Quando deixamos de sentir pressão a rodar e começa a rodar com mais facilidade, quer dizer que já estamos a desenroscar a ponta.

Não tenho fotos do hardware desmontado, mas basicamente tirei tudo o que era metálico e limpei e lubrifiquei com um spray, que não é WD40, mas é do mesmo género. Todos os parafusos podem e devem ser limpos e lubrificados. No caso daqueles que vão aparafusar na madeira, têm que ser completamente limpos, para não ficar nenhum resíduo do produto de limpeza/lubrificação.

Os que aparafusam metal com metal podem e devem ficar lubrificados. No caso da ponte, desmontei todas as sadles, porque resolvi inverter a ponte. Tinha os parafusos da intonação do lado dos pickups, e dá-me mais jeito tê-los do lado do tail piece. Para isso tive que tirar sadle por sadle, e depois de tudo limpo e lubrificado, montei-as na ordem contrária para poder virar a ponte ao contrário. Aproveitei para fazer umas dobras no arame que prende as sadles, seguindo o conselho que o lourenco tinha dado num dos seus posts muito úteis.


Agora chega a parte interessante

A minha V100 tinha outro problema para além dos tuners. Não sei se foi das diferenças de temperatura ou se foi da posição em que eu tinha a guitarra, mas passado uns meses de ter a guitarra reparei que o braço estava ligeiramente torcido.

Contrariamente ao facto de o braço poder estar curvado se poder resolver com o truss rod, neste caso não há nada que nos permita afinar. Em foto não dá para ver porque é uma coisa muito ligeira, mas a olho nu consegue-se ver, mudando o ângulo em que se olha.

O que acontece é que o braço do lado das cordas graves fica ligeiramente mais subido que nas cordas agudas. Quando dei por isto fiquei lixado, pensei logo que a V100 afinal não era assim tão boa como diziam, mas fiz umas pesquisas e cheguei à conclusão que há vários casos destes, mesmo com guitarras de topo. Basicamente, quando a madeira decide ir para um lado, não há muito que se possa fazer. Quando a coisa é grave substitui-se o braço, o que não é fácil num set-neck.

Isto pode ser resolvido por um luthier, retirando os trastes, lixando um bocado a escala, de forma a ficar tudo equilibrado novamente. Mas não quis ir por aí, porque um arranjo destes ia-me ficar quase ao preço da guitarra. Ainda por cima como o braço tem o binding, tornava esse trabalho ainda mais complicado.

Resolvi investir em algumas ferramentas, para fazer um setup como deve ser. Descobri um tipo grego no ebay com algumas ferramentas que são claramente réplicas de ferramentas conhecidas da Stewmac, mas bem mais baratas, e sem o problema da alfândega. E são de boa qualidade, umas em aço, outras em alumínio, cortadas a laser, com boa precisão.

Aqui estão essas ferramentas, entre outras que já cá tinha:


A régua é um notched straight edge, com intervalos para os trastes, permite medir a folga no braço e nos trastes (uma régua sem os intervalos, permite medir apenas nos trastes). Dá para as duas escalas mais comuns, 24.75’’ (Gibson) e 25.50’’ (Fender). Usei para colocar o braço totalmente direito com o truss rod, já que não tenho um neck jig, para manter o braço direito.

As bitolas individuais do raio do braço (no meu caso só preciso da de 12’’), são boas para verificar a altura das cordas em relação à escala.

As bitolas combinadas 4 a 4 são boas para verificar o raio no braço. E como são peças em aço cortadas a laser, são bastante afiadas, também servem para raspar a escala. Foi o que fiz no meu caso, raspei a escala toda, para tirar o lixo que se vai acumulando, e fiz uma ligeira pressão a mais no lado do braço que estava mais alto. Esta operação permitiu-me tirar apenas uma fracção de mm, quase como se estivesse a lixar o braço, mas com a certeza que mantinha a curvatura normal do braço. Isto só pôde ser feito porque a escala não é envernizada, senão tinha lascado o verniz todo.

O Fret rocker, que serve para verificar diferenças de altura nos trastes. Os vários lados servem para verificar os trastes 3 a 3 ao longo de todo o braço. Quando se verificam 3 a 3, se o fret rocker balançar em cima dos trastes, quer dizer que o do meio está mais alto, o que pode
provocar trastejamento.

Depois outras ferramentas que já cá tinha desde que comprei os tuners da Gotoh. Os protectores da escala servem para colocar sobre os trastes, para polir, sem ser necessário isolar a escala.

A lima de trastes, serve para fazer o crowning dos trastes, ou seja, depois de serem limados/lixados, voltar a colocar o topo dos trastes arredondado.

O radius sanding block, que é um bloco de madeira com o raio da escala, para lixar os trastes todos por igual, mantendo a curvatura. Como não arranjei tiras ou rolos de lixa autocolante, comprei lixa de ferro (240, 500 e 1000), cortei à medida do bloco e colei no bloco de madeira com fita-cola de dupla face.

E um conjunto de limas (needle files), que não me serviu de muito, porque eram de muito má qualidade , mas na altura foram as únicas que encontrei no Leroy Merlin. Depois do trabalho feito voltei lá e já havia várias de muito melhor qualidade

Comecei por colocar o braço completamente direito, apertando o truss rod e verificando se não havia folgas no braço com o notched straight edge.

Raspei o braço todo com a bitola de 12’’, tentando “comer” um pouco mais do lado que estava mais alto.

Pintei os trastes todos com um marcador:


Depois usei o bloco de madeira com a lixa 240, e lixei até deixar de se ver qualquer vestígio do marcador. Isto tem que ser feito devagar, para não comer demasiado metal aos trastes.

Passei com as lixas mais finas e arredondei os trates com a lima respectiva. Entre cada operação ia sempre verificando se o braço continuava direito, porque a madeira vai-se ajustando depois de se mexer no truss rod.

Corri o braço todo na largura e na altura, de 3 em 3 trastes com o fret rocker e fui limando ligeiramente e passando com a lima de crowning, nos trastes em que ainda havia ligeiras diferenças.

Finalmente passei novamente com a lixa 1000 para deixar os trastes lisinhos, sem marcas de lixa mais grossa ou de lima e finalizei com um pano de polir trastes da Jim Dunlop, que é como se fosse uma lixa microfina (na parte de trás do pano tem a referência 8000, penso que seja
uma referência equivalente às lixas).

Como tive que raspar a escala, acabei por não isolar com fita. No final dei mais uma passagem com a bitola de 12’’ para tirar todo o lixo que se tinha acumulado, limpei tudo um pano, passei óleo de limão, esfreguei muito bem para hidratar a escala e não ficarem resíduos de óleo visíveis.

Acho que ficou com bom aspecto:


Aqui o headstock já com os tuners novos:


Depois foi meter as cordas, e passar ao resto do setup.

Estes foram os passos que dei:
1 - Depois de ter as cordas postas, baixei a ponte e o tail piece ao máximo e endireitei completamente o braço.
2 - Afinei as cordas. Este é passo é recursivo, todas medições que se façam, desde a curvatura do braço, ao ajuste da altura da ponte, à intonação, fazem-se sempre com a guitarra afinada. E todas as alterações provocam desafinação, portanto afinamos a guitarra várias vezes durante o setup.
3 - Comecei a verificar a acção. Fazia um ligeiro trastejar nos primeiros trastes. Como o braço estava completamente direito, dei-lhe uma pequena folga, desapertei apenas ¼ de volta no truss rod e ficou o problema resolvido.
4 - Afinei a guitarra (vão ver isto mais algumas vezes )
5 - Notei algum trastejar a partir do 12º traste. Comecei a subir a ponte e o tailpiece muito devagar e fui testando. Não tinha uma régua de precisão, por isso fui fazendo a olho, mas em porções muito pequenas. Devo ter dado uma volta no parafuso da ponte do lado agudo e uma
volta e ¼ no lado grave. Fiquei satisfeito com a altura, embora ainda se note um ligeiro trastejar mais para o fim da escala, mas não passa para o amp e por isso não subi mais a acção.
6 - Afinei novamente
7 - Ajustei a intonação em todas as cordas
8 - Afinei (Sim é chato ter que estar sempre a afinar, mas tem que ser)
9 - Ajustei a altura dos pickups, pressionando no último traste da 1ª e da 6ª corda e levantando os pickups até ficarem quase a tocar nas cordas. A partir daqui é uma questão de gosto, liga-se ao amp e vê-se o som de cada corda em cada pickup, vai-se baixando ou levantando conforme se quiser um som com mais ou menos sustain, com mais ou menos output. Depois ainda se pode ajustar os polepieces (os pequenos parafusos dos pickups que ficam debaixo das cordas) de forma a seguirem o raio do braço. No meu caso desci apenas um pouco em relação à posição inicial (uma volta no parafuso).

Conclusão (que o post já vai muito longo):
A guitarra ficou muito melhor do que estava, com uma acção bastante baixa. Aquele efeito do braço torcido ficou melhor. Não ficou perfeito, isso seria difícil, mas não acho que afecte na forma de tocar.

A próxima coisa que devo fazer na guitarra é trocar a bridge, porque a corda G está mais baixa do que devia e numa ponte deste tipo não se consegue ajustar a altura corda a corda. Apenas quando uma corda está muito alta, pode-se afundar um pouco a ranhura da sadle, mas o contrário não dá para fazer. Ainda vou experimentar trocar a sadle da corda G com a D para ver se fica mais equilibrado, mas se não der, uma bridge também não deve ser muito cara.

Desculpem o testamento, mas achei que seria útil, principalmente para quem tem receio de mexer nas guitarras, ver que não é nenhum bicho de sete cabeças. Eu há dois anos não sabia nada de nada sobre guitarras, nunca me imaginei a fazer isto, mas o facto é que não é difícil.

Tenho pena de não ter tirado mais fotos a meio do processo, mas o tempo que tinha não era muito e por isso não deu para mais, mas acho que dá para terem uma ideia.

Venham de lá esses comentários

Muito bom!

Boa aventura

Brutal

very nice

Consegues arranjar o link desse vendedor do ebay?

Obrigado pessoal!

@spot_box, é este http://shop.ebay.co.uk/haris.bak/m.html?_nkw=&_armrs=1&_from=&_ipg=&_trksid=p3686

O tipo é impecável, respondeu-me sempre depressa às mensagens que lhe enviei e fez-me um desconto por ter comprado vários items.

Parabéns Mestre Nanjos!!!É assim mesmo!!!

toma lá que é bem merecida-------------------------->

como podem verificar,não é assim tão difícil tratar das nossas amigas de 6 ou mais cordas!

Muito bom Nanjos..

tmb tenho uma v100 hb com os mesmos problemas que referiste na tua . . logo ajudaste-me bastante..

quem sabe tmb não tenha de trocar os tunners :S

Obrigado Mestre Slider

@jdsantossilva, não és o primeiro nem hás-de ser o último com esse problema, pelos vistos. O problema dos tuners resolve-se bem, o do braço é que deu mais trabalho a encontrar uma solução.

Muito bom!

e obrigado pelo link do material

Estou na mesma situação, pensei ser complicado, e no entanto tenho a minha Strat toda desmanchada mesmo ao meu lado pronta para pintar e voltar a montar!

Bom trabalho!

Obrigado @fortes, um elogio a uma pequena intervenção vindo de alguém que construiu uma bela guitarra, é muito bem vindo

Essas ferramentas vindas da Grécia valem mesmo a pena, gastei 50 e poucos euros em material que mandando vir da Stewmac ficava em mais de 150!

E o tipo disse-me que iam aparecer mais ferramentas e peças para guitarra nos próximos tempos. Aliás, agora já lá tem mais coisas do que quando eu comprei.

Já agora se alguém estiver interessado em comprar o notched straight edge, tenham em atenção que só dá para aquelas duas escalas (24.75'' e 25.5'').

Depois de eu ter feito a encomenda, o vendedor enviou-me um e-mail a dizer que um cliente lhe tinha dito que numa guitarra que era uma cópia de Fender, os intervalos não assentavam bem no braço.

No meu caso havia um traste em que isso acontecia, mas bastou passar com uma lima para alargar um pouco o intervalo e ficou resolvido.

Parabéns nanjos, não é qualquer um que faz isso!!
E sai palheta!!

Aí é que te enganas, qualquer um pode fazer isto

com algum tempo e paciência qualquer um pode fazer um setup a sua guitarra. seja ela de ponte fixed, tremulo ou floyd rose. há na net vários tuturials a explicar o processo nos vários tipos de de pontes. aqui temos este do nanjos, que temos a vantagem de estar em português.

A minha é de tremolo estilo vintage, e foi bastante fácil. Apenas desapertar parafusos e três molas.

Quando a informação é de qualidade só temos que agradecer, é verdade que já sabia muito daquilo que disseste, mas há sempre qualquer coisa nova que se absorve, e apesar de ter construído uma guitarra ainda tenho muito que aprender... estamos sempre a aprender.

Abraço.

Partilhamos da mesma opinião Fortes, estamos mesmo sempre a aprender.

Nanjos, tens muito jeito para isto!

Que diferenças sentiste para da antiga pra nova Vintage V100?

@Nanjos

Está visto que adquiriste a informação necessária para o trabalho. Bem realizado na medida do possivel, e se te está confortavel está ganho.
Tens aí um setup kit pronto para a estrada. Quando quiseres um neck-jig podes construir um, nada de complicado, com cerca de 70 euros fazes a festa.

Muito Bom Trabalho!

Fica aqui tambem mais um link para ferramentas a preço razoavel de origem alemã. Loja de confiança e rápido envio.

http://shop.rall-online.net/epages/61511639.sf/en_GB/?ViewObjectID=1276154

Obrigado lourenco

O meu problema é mesmo a falta de tempo e de um espaço para poder fazer as coisas à vontade.

As ferramentas vão-se arranjando aos poucos. Por acaso vi alguns esquemas para construção do neck-jig, mas não tenho espaço para arrumar um mono desses

E com isto vai-se ganhando experiência. Tenho a certeza que o próximo setup que fizer vai ficar ainda melhor que este.

@Dunn, achei uma grande diferença porque tinha dois grandes problemas na guitarra que afectavam o som e o conforto a tocar.

Ao eliminar as vibrações causadas pelo tuner estragado e conseguindo baixar a acção, melhorou muito em todos os aspectos.

Ainda posso melhorar mais, mas ficou muito melhor do que estava.

Boas. Tenho uma vintage VRS100, que julgo que tem um traste um pouco maior que os outros, pq quando toco naquele trate, a nota "cala-se" e faz um certo buzz.. Devo lixar o traste?